Editorial


Gestão democrática na escola: alternativas em construção


A desigualdade estrutural inerente ao modo de produção capitalista é incompatível com os fundamentos da democracia formal e inviabiliza a materialização da democracia real. Sob tal perspectiva, a luta dos movimentos sócio-políticos em prol da construção de princípios e práticas da gestão democrática em nível dos sistemas de educação e das unidades escolares são intensas e ininterruptas. Tais movimentos têm como marco referencial o Manifesto dos Pioneiros da Educação e é tangencial a múltiplas e diversificadas ações de entidades acadêmicas, movimentos sociais e estudantis, perpassando as Conferências Nacionais de Educação (CONAE) e Conferência Nacional Popular de Educação (CONAPE).

Em linhas gerais as conferências de educação reivindicam processos participativos em todos os níveis da educação de instituições das esferas pública e privada com participação de estudantes, profissionais da educação, famílias e comunidade local na definição de políticas educacionais; democratização do funcionamento dos conselhos e órgãos colegiados de deliberação coletiva com ampliação da participação da sociedade civil; eleição direta de diretores e reitores, dentre outros.

A temática referente à gestão democrática aparece de forma mais contundente no Plano Nacional de Educação (2014-2024) regulamentado por meio da Lei 13.005/2014. A referida matéria se apresenta no inciso VI do art. 2º que trata das Diretrizes do PNE: “VI - promoção do princípio da gestão democrática da educação pública” e no artigo 9º:


Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão aprovar leis específicas para os seus sistemas de ensino, disciplinando a gestão democrática da educação pública nos respectivos âmbitos de atuação, no prazo de 2 (dois) anos contado da publicação desta Lei, adequando, quando for o caso, a legislação local já adotada com essa finalidade (BRASIL, 2014).
















A temática em tela aparece também de forma transversal como um princípio balizador de várias estratégias do referido plano. Esses princípios preconizados pela literatura pedagógica e pelos dispositivos legais são almejados pelos defensores da gestão democrática, mas tais dimensões encontram-se vulneráveis no contexto atual, sendo que, presenciamos mecanismos, projetos e programas frontalmente opostos às conquistas da democratização da gestão.

Como emblema da perspectiva anti-democrática de educação destacamos o Movimento Escola Sem Partido, o qual surgiu 2004 e tem influenciado projetos de lei em âmbito municipal, estadual e federal. Tal projeto torna obrigatória, por exemplo, a afixação, em todas as salas de aula do ensino fundamental e médio, de um cartaz em todas as salas de aula do ensino fundamental com dizeres que incitam discentes a fiscalizarem e denunciarem docentes em razão se supostas doutrinações ideológicas. A proposta pretende silenciar temas referentes a gênero, política, homofobia, machismo, raça e religião no interior da sala de aula, constituindo-se em retrocesso às conquistas históricas de uma educação crítica e o retorno de uma educação supostamente neutra, análoga ao que propugnava a disciplina Educação Moral e Cívica, presente nos currículos escolares durante o Regime Militar (1964 – 1985). Decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) e recomendações do Ministério Público Federal (MPF), por meio da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), reafirmam a inconstitucionalidade do projeto Escola sem Partido e da censura e perseguição a educadores e educadoras, mas, ainda existem 18 (dezoito) projetos em vigência no Brasil.

Outro movimento refratário à democratização da gestão e em franca expansão refere-se aos processos de militarização das escolas públicas em vários estados da federação. Algumas pesquisas têm apresentado limites da gestão democrática no âmbito das escolas militarizadas dado seu caráter centralizador e da introdução da disciplina militar fundamentada na hierarquia e disciplina. A despeito dessa temática enfocada a partir de múltiplas matizes, vale a pena conferir o volume 35, n. 3 (2019) da Revista Brasileira de Política e administração da educação, com o dossiê “militarização das escolas públicas no Brasil: um debate necessário”.

No âmbito do Poder Executivo Jair Bolsonaro (PSL) foi vencedor das eleições presidenciais de 2018. Sua agenda governamental é ancorada em pautas conservadoras, posições extremadas e discursos agressivos, autoproclamado restaurador da ordem perdida e combatente do suposto regime socialista instaurado no Brasil. Compõe também sua retórica o retorno das forças armadas à frente da arena política, o antifeminismo, o antissocialismo, além de expressões homofóbicas e racistas presentes em seus discursos e dos adeptos de seu perfil político, ensejando o ascenso de um cariz contemporâneo do fascismo na realidade brasileira. Assim, têm sido recorrentes políticas e práticas governamentais que representam recuos e acintes à gestão democrática e ao Estado Democrático deDireito, fomentando tendências autocráticas e centralizadoras.

Paradoxalmente, profissionais da educação têm envidado esforços para construir processos gestoriais democráticos, participativos e coletivos. O presente dossiê tem como objetivo precípuo fomentar debates e reflexões sobre as alternativas que estão sendo construídas e experimentadas no interior da escola pública brasileira no campo da gestão. Buscando potencializar a visibilidade das experiências de democratização da gestão na Educação Básica, o presente número apresenta ricas experiências oriundas de diferentes regiões brasileiras as quais evidenciam a potência da luta e da resistência: são textos, vídeos, podcasts, áudios, imagens que provocam reflexões e inspiram práticas de gestão referenciadas em uma dimensão democrática e emancipatória. Manifestamos nosso agradecimento às importantes contribuições dos/as autores/as, revisores/as e suporte técnico da Revista. Nossa sincera gratidão à todos e todas pelas colaborações.

Desejamos um excelente proveito do material disponibilizado.

Saudações anpaeanas!





top